Precisamos salvar a Capela dos Aflitos!


Capela dos Aflitos em 1920

Desde muito jovem eu sempre gostei de caminhar pelo centro histórico de São Paulo.

Olhar vitrines, reparar no formato das ruas e a arquitetura de prédios, igrejas, capelas e lojas que durante um longo tempo formaram minha busca por conhecimento histórico.

Em uma dessas caminhadas, no bairro da Liberdade onde está a Capela da Santa Cruz das Almas dos Enforcados, desci pela rua dos Estudantes.

Foi quando vi pela primeira vez o Beco dos Aflitos, onde está encravada essa capela, a Capela de Nossa Senhora dos Aflitos.

Então, era final dos anos 1970, e a capela ainda ficava aberta e muitas pessoas acendiam velas a algumas almas que ainda assombravam o local.

Não sei porque, mas um dia desses eu lembrei do local e resolvi escrever sobre o assunto, já que além de ser um local bacana e tem uma história incrível.

É uma história que lembra o período colonial brasileiro , seus escravos, indigentes e condenados que eram enterrados no cemitério que deu nome à capelinha.

A capela nasceu do cemitério dos Aflitos

Com a curiosidade de voltar ao local antes de escrever, fui até a Liberdade na sexta passada e me deparei com o local fechado.

Porém ainda tem muitos papeizinhos de pedidos de fiéis e agradecimentos por graças alcançadas.

A capela só abre uma vez por semana, nas missas de segundas-feiras às 12 horas.

Então, vamos à história do beco/capela.

O ano era 1775, e o costume era enterrar os mortos ilustres dentro das igrejas e capelas.

Primeiramente, é claro, essa honra não era para os indigentes, escravos, indígenas e condenados.

Para estes havia o cemitério a céu aberto sob a proteção de Nossa Senhora dos Aflitos: o primeiro cemitério público do estado.

No centro do cemitério ergueu-se a Capela dos Aflitos, que permanece no mesmo lugar.

É tudo o que restou do cemitério dos pobres de São Paulo e que, ainda hoje é centro de romaria popular.

Conta-se que, no século seguinte, por volta de 1858, veio a proibição de sepultamento no interior das igrejas e foi aberto o cemitério da Consolação.

Então fecharam o cemitério dos Aflitos e tiraram os despojos do local.

Outras fontes afirmam que o local foi incendiado e só restou a capela em pé.

Tombamentos devem preservar os locais

Uma fonte do acervo histórico de tombamentos tem um pequeno trecho interessante, que diz:

“É possível que no ano de Nosso Senhor de 1869 tenha havido alguma reforma de monta. Se é que se podia fazer algo de tanto fausto na capelinha mais escondida do centro de São Paulo. Ela situa-se num beco sem saída, o Beco dos Aflitos. Ou antes a saída, a verdadeira, é a Igreja. Travessa da Rua dos Estudantes. No meio da Liberdade. Presa entre prédios que nela se colam e, grudados, têm até uma janela com a face no sino”.

Assim, em 1858 inaugurou-se o primeiro cemitério público municipal, o Cemitério da Consolação, em terreno que a Marquesa de Santos doou.

Proibiu-se tanto os sepultamentos no Cemitério dos Aflitos quanto no interior das igrejas.

Assim, o cemitério dos Aflitos foi abandonado…

Então, quase cem anos depois, quando só restavam ruínas, o bispo D. Lino Deodato Rodrigues ordenou a retirada dos despojos e o loteamento da área.

Com o dinheiro arrecadado, começaram as obras da Catedral da Sé.

Tudo o que restou foi a capela e a fé no Chaguinhas

Já no século XX, com a falta de cuidados, a capela se deteriorou, ficando em más condições, ao ponto de se incendiar 30 anos atrás (1990).

Mas foi recuperada e, de acordo com a Cúria Metropolitana, uma missa semanal é rezada às 12 horas todas as segundas.

Devido ao tamanho só é possível um público de 20 pessoas no local.

O velário lateral também só abre às segundas no período da missa.

Então, é difícil até acender velas para o “santo não consagrado” Chaguinhas, o morto mais ilustre do cemitério.

O famoso soldado negro santista, cabo Francisco José das Chagas, conhecido como Chaguinhas, foi executado no Largo da Forca, atual Praça da Liberdade.

Segundo fontes históricas ele liderou uma revolta para receber soldos atrasados.

Muitos soldados passavam necessidade e sem o pagamento, suas família viviam em situação de penúria.

Então, sua condenação chocou a cidade.

Ergueram a forca no largo da Forca, (atual Praça da Liberdade) e, no dia 20 de setembro de 1821 houve a execução.

Primeiramente, a execução do soldado Contindiba.

Depois, foi a vez de Chaguinhas, mas a corda arrebentou e o réu caiu ao chão.

Então o povo, que a tudo assistia, gritou: “Liberdade”, termo que dá nome do local atualmente.

Era o costume desse tempo, perdoar-se o condenado em casos semelhantes.

Para muitos era a vontade de Deus, mais poderosa que a dos homens.

Porém o governo foi intolerante, e novamente foi armado o laço e dependurado para lançamento.

E assim se fez.

Mas eis que a corda arrebentou de novo.

Então o povo gritou: “Milagre!”.

De qualquer forma, Chaguinhas, pela terceira vez foi enforcado, mas ainda mostrando sinais vitais, foi assassinado a pauladas, terminando a pena.

No local o povo acendeu velas e ergueu uma cruz.

Então, em 1887, construíram a Capela de Santa Cruz das Almas dos Enforcados no local.

A documentação primária diz que sua primeira missa foi celebrada em 1 de maio de 1891, ano de sua fundação.

Mas, assim como todos os condenados, escravos e excluídos, o cabo foi enterrado nos Aflitos.

Até hoje se diz que ele concede graças a todos que batem à porta da capela e pedem por alguma necessidade.

Mesmo fechada na maior parte do tempo, nos portões ainda há agradecimentos dos fiéis desse santo popular.

Histórica e culturalmente a atual Praça da Liberdade, bairro onde está localizada a Capela dos Aflitos, já foi conhecida como Largo da Forca.

Lá executaram muitos escravos e sentenciados, compartilhando a mesma falta de esperança.

Atualmente, a Igreja de Santa Cruz dos Enforcados e a Capela de Nossa Senhora dos Aflitos representam partes de um complexo cultural afro-brasileiro de religiosidade e romaria.

O centro do próprio Bairro da Liberdade tem  fama de assustador.

Da mesma forma, a Capela dos Aflitos acompanha a reputação do local.

A Capela está presente em muitos roteiros ditos como mal assombrados da cidade de São Paulo.

Muitos já alegaram visões de vultos e ruídos durante visitas, dando crença à existência de almas de escravos.

Enfim, não há como não sentir a presença do soldado Chaguinhas.

Restauração da Capela

Em outubro de 2011, após a aprovação dos principais órgãos do patrimônio histórico a igreja passou pela primeira restauração desde sua inauguração em 1779.

A restauração acusou a presença de cupins nas portas e nos forros da capela e precariedade na estrutura principal.

Também constataram os estragos causados pelo incêndio, os quais nunca foram totalmente reparados, com a destruição de partes das talhas barrocas dos oratórios.

Voltando ao meu passeio, gostaria muito de saber o que se pode fazer para salvar o que restou da capela, mas não sei a que santo recorrer.

Talvez Chaguinhas ou a Nossa Senhora dos Aflitos possam nos valer.

Em tempo: a capela está em processo de restauro e quem quiser ajudar pode enviar um pix para amigosdacapela70@gmail.com

Ou então, se estiver em São Paulo em uma segunda, vá até a capela, e dê sua contribuição.

 

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8 respostas para “Precisamos salvar a Capela dos Aflitos!”

  1. Rita que relato interessante. Conheci um pouquinho mais da história de São Paulo. Parabéns pelo levantamento histórico e vou ajudar a divulgar. Grande Abraço

  2. Excelente esse seu relato sobre passagem tão importante da gente que, de fato, constrói esta nação. Parabéns! E viva o milagreiro Chaguinhas!

  3. compartilhei a história do livro “Santa Cruz dos Enforcados” Há poucas referências ao cabo. Mas hoje é tratado como “santo popular”. Vou procurar mais referências e consertar o texto. Obrigada pela dica